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Por que a Apple está falando de Privacidade?

Fabio Caim - social

“A privacidade é um direito humano fundamental. Na Apple, esse também é um dos nossos principais valores. Sabemos que seus aparelhos são importantes em vários setores da sua vida e só você deve decidir o que e com quem compartilha essas experiências. Criamos nossos produtos para proteger sua privacidade e para que você sempre tenha controle sobre suas informações. Nem sempre é uma tarefa fácil. Mas é nesse tipo de inovação que nós acreditamos” (Apple)

A nova campanha da Apple que chega ao Brasil, porém que acontece desde o ano passado no resto do mundo, traz como argumento principal, ou como alguns chamariam, eu particularmente não gosto, de posicionamento, a ideia de “privacidade”. Prefiro argumento principal porque essa é a lógica que a marca está oferecendo ao seu consumidor neste momento, de acordo com o contexto histórico no qual o consumidor dela está envolvido.

Para mim, assim como para outros pensadores da comunicação, o posicionamento é um conceito mais abrangente, que envolve a marca como um todo e tem o objetivo de fazer com que o consumidor fique com um “gostinho” na boca do que é a marca, de qual é a sua atmosfera e o seu clima. O posicionamento pressupõe a capacidade de fazer o consumidor viver a marca, enquanto o argumento vende um diferencial dela.

No vídeo publicitário brasileiro disponível na conta da Apple no Youtube – “Privacidade no Iphone – Simples Assim” a abordagem é muito simples e bastante poética, diferente de algumas peças de mídia exterior nos mercados internacionais que tendem a ser mais bem humoradas e fazem trocadilhos com expressões conhecidas, como uma peça veiculada em Las Vegas (2019) antes da Consumer Eletronics Show, que afirmava “What happens on your iPhone, stays on your iPhone” brincando com a máxima “O que acontece em Las Vegas, fica em Las Vegas” e alfinetando os Androids por causa de sua maior vulnerabilidade.

O vídeo tem uma locução feminina em off que afirma: há mais informações privadas no iPhone do usuário que na casa inteira dele e que essas informações deveriam ser só dele e de mais ninguém.

De novo a privacidade como foco do anúncio, a mesma privacidade que está no texto citado acima e extraído da página da Apple. A Apple considera a privacidade como um direito fundamental humano, igualando aos direitos humanos universais e ainda assume que esse é um dos seus principais valores. De uma só maneira a marca assume sua internacionalização, sua proximidade e defesa dos direitos humanos e ainda alça a privacidade como algo fundamental e precioso a qualquer indivíduo.

Agora eu me pergunto: em que momento a privacidade se tornou um direito fundamental? A noção de privacidade é algo muito recente, mas já esteve em pauta em diversas discussões entre o público e o privado, entre o que deve ser discutido publicamente e o que deve ser abordado na privacidade de um recinto ou de algum lugar. A questão do privado então estava muito mais associada a assuntos que deveriam ser discutidos por poucos e não publicizados, ou jogados a grande massa. No entanto, a digitalização dos processos comunicacionais exacerbou a visibilidade como uma qualidade almejada por muitos.

Afinal, quem não gostaria de ter 135 milhões de seguidores no instagram, como o @neymarjr tem? Quem não gostaria de participar do BBB20 que está sendo comentado como o melhor BBB em muitos anos?

Possivelmente, todos os que desejam maior privacidade, maior controle sobre seus dados, sobre suas pegadas digitais, sobre seus comentários nas redes sociais, sobre suas imagens veiculadas em diferentes plataformas não gostariam de estar no lugar desses sujeitos. É para esses consumidores que sentem a pressão de uma sociedade voyeurista e, mais que isso, sentem medo de terem seus dados vazados que a Apple se faz presente.

No mar de mesmices argumentativas das marcas, a Apple continua sendo uma exploradora, uma visionária a partir do seu próprio ecossistema, pois ela torna algo que sempre foi criticado – ser uma marca com um ecossistema extremamente fechado – em um valor fundamental, humanístico e global: a privacidade.

Sejamos sinceros, é muito bom ser a Apple.

Por:  Dr. Fábio Caim – publicitário, psicanalista, professor universitário (Cásper Líbero e Facamp) e sócio-consultor na Objeto Dinâmico – inteligência de marcas.