Quando introduzido no conto de Bram Stoker em 1897, o servo do Drácula, R. M. Renfield, era somente um personagem secundário, que existia apenas para cumprir o propósito de satisfazer os desejos do grande vampiro, recebendo em troca a promessa da imortalidade e de poderes limitados. Interpretado por diversos atores desde então, o personagem ganha neste ano sua mais nova e diferenciada representação. Agora vivido por Nicholas Hoult, o servo do vampiro mais famoso da cultura pop ganha seu momento de brilhar, em uma trama que atualiza o conto e coloca a famosa dupla na Nova Orleans dos tempos atuais.
Dirigida por Chris McKay, a produção mostra Renfield esgotado, tentando se ver longe da relação abusiva com o patrão. Com grande remorso por capturar vítimas para o vampiro por mais de 90 anos, Renfield decide que irá começar a buscar sua liberdade, frequentando reuniões de autoajuda e tomando coragem para enfim se libertar da tóxica relação e enfrentar o monstro que alimenta. Porém, as reações do vampiro, interpretado brilhantemente por Nicolas Cage, revelam que não será fácil seguir seu próprio caminho, o que o coloca em um mar de melancolia e desânimo, já que Renfield nunca conseguiu se opor ao monstro. Em paralelo, a trama nos apresenta à policial Rebecca Quincy (Awkwafina), que dedica sua vida na luta contra o crime organizado liderado pela família Lobo, uma organização criminosa responsável pela morte de seu pai, anos antes, e que domina o tráfico de drogas na cidade. Ao contrário de Renfield, Quincy possui uma firme postura frente às injustiças e malfeitores, mesmo que na maioria das vezes suas atitudes sejam em vão, acabando em humilhação por seus colegas e superiores corruptos. No entanto, quando um confronto em um restaurante acaba juntando os dois protagonistas, Renfield enfim consegue juntar coragem, inspirado pela policial, para encarar o patrão, e os dois entram em uma jornada de ajuda mútua.
Com uma brilhante e divertida introdução que referencia grandes produções focadas no Conde Drácula, contextualizando e mostrando mais do serviço de Renfield ao longo das décadas, o longa de Chris McKay empolga, mostrando uma busca verdadeiramente criativa e diferente de trazer um fôlego novo ao gênero e aos personagens. Em uma época onde a originalidade pouco é apresentada nas salas de cinema, “Renfield: Dando o Sangue pelo Chefe” conta com uma premissa bem-vinda para os fãs de terror e humor. E o filme se mostra digno dessa empolgação em seus primeiros momentos. O protagonista tem em Nicholas Hoult uma interpretação leve e divertida, mostrando, através da melancolia e linguagem corporal contida (se soltando plenamente nas cenas de ação), seu desespero para se ver livre da relação tóxica. A dinâmica nas reuniões de autoajuda também funciona, com diálogos divertidos, que brincam a todo momento com a ironia e a aleatoriedade da situação.
No entanto, apesar da ótima contextualização e sequências iniciais, o longa perde ritmo e consistência ao apresentar sua trama principal. Com um elenco de peso e cenas de ação inspiradas (apesar de muito picotadas pela edição em alguns momentos), o que destoa no longa é sua simplicidade no decorrer da narrativa, que passa a ser guiada pelas interferências da família mafiosa. A trama se mostra extremamente simplória e desinteressante, apelando muitas vezes a diálogos caricatos, assim como os personagens que compõem a família. Apesar de interpretada por bons atores, os Lobo acabam ocupando tempo demais de tela, e as facilitações que envolvem sua jornada no confronto com a polícia ganham peso além do necessário para fazer a narrativa andar. No final, com saídas simplórias e estereotipadas, o brilho dos bons protagonistas é ofuscado por cenas desinteressantes e forçadas da parte dos vilões. Apesar disso, as cenas de ação podem recompensar o espectador, assim como o humor que a personagem de Awkwafina traz com sua atuação.
Mas o maior destaque do longa fica para o Drácula de Nicolas Cage. Brilhante, a interpretação do veterano é de longe a mais divertida e diferenciada na produção. Aliada com a decisão do roteiro de mostrá-lo em poucas sequências, o que engrandece e valoriza cada uma de suas aparições, o conde Drácula está impiedoso, divertido e mais canastrão do que nunca, mas sem deixar de lado sua ameaça iminente: mesmo com caras e bocas exageradas e uma caracterização pra lá de “cartunesca”, o personagem de Cage assusta, deixando claro que a qualquer deslize dos outros personagens em cena, uma carnificina pode ser acontecer. O que dá ainda mais embasamento a isso é a violência apresentada pelo filme. Renfield não poupa sangue, ossos quebrados ou decapitações em suas sequências, trazendo um grande divertimento aos fãs do cinema gore. E Nicolas Cage é a cereja do bolo, divertindo o espectador na sala do cinema, e, claramente, se divertindo também no papel. Um espetáculo à parte para os amantes do cinema de horror e também do ator.
No final, os fãs podem encontrar em “Renfield: Dando o Sangue pelo Chefe”, um bom divertimento, que mesmo com uma trama simplória e vilões secundários completamente esquecíveis e sem peso, conta com uma boa premissa, e com protagonistas e um grande antagonista que vale cada segundo em tela. Uma produção que também vai além de ser apenas um blockbuster engraçadinho e estiloso, Renfield é um bom respiro para o conto clássico e para a legião de apaixonados pelo Conde Drácula.
Por: Pedro Dourado
Leia mais notícias:
https://marcaspelomundo.com.br/opiniao/till-a-busca-por-justica-critica-de-pedro-dourado/