MarcasPeloMundo_branco

Armageddon Time, crítica de Pedro Dourado

Confira a crítica de Armageddon Time, filme dirigido por James Gray e lançado esse mês pela Universal Pictures.

Após contar sobre problemas paternais em uma trama ambientada no espaço com Ad Astra (2019), o diretor James Gray mergulha de cabeça em seus temas familiares, voltando ao planeta Terra, mais precisamente à década de 1980. Com Armageddon Time (2022), o diretor de filmes como The Immigrant (2013) e The Lost City of Z (2016) se aprofunda em suas questões pessoais, em uma autobiografia que retoma suas origens em New York, abordando temáticas que definiram sua vida e aspirações.

Ambientado em uma época guiada pelo cenário político, com Ronald Reagan entrando na reta final de sua campanha para a presidência dos EUA, o longa conta a história de Paul Graff (interpretado pelo carismático Banks Repeta), um garoto de origem judia em fase de amadurecimento, que passa por problemas na escola. Inspirado pelo avô (vivido por Anthony Hopkins, em mais uma grande atuação), o garoto se dedica aos desenhos, se perdendo em pensamentos sobre como se tornar um grande artista. É no colégio que ele conhece Johnny (Jaylin Webb, em uma performance de destaque no longa), um garoto negro que frequentemente é injustiçado no tratamento recebido pelos professores, e que passa por problemas em casa, com sua avó que sofre de alzheimer sendo sua única aparente responsável. Em casa, Paul vive com seus pais, que repreendem o garoto por seus comportamentos e o enxergam como um potencial desperdiçado, que não aproveita os benefícios que tem.

Ao longo da trama, vemos o relacionamento de Paul e Johnny se desenvolvendo, o que causa muito descontentamento por parte da família, que apesar de pregar ideias progressistas em um primeiro plano, se mostrando veemente contrários à eleição de Reagan e a ascensão da direita religiosa e conservadora, reproduzem o racismo de maneira velada quando confrontados diretamente. Isso reflete em momentos de Paul com sua mãe, Esther (personagem de Anne Hathaway, que mesmo com poucos minutos em cena, deixa sua marca ao transmitir muita emoção e dor para sua personagem), e com seu pai, Irving Graff (interpretado com muito destaque por Jeremy Strong), que o castiga fisicamente e o repreende pelo comportamento em casa e na escola.

Inspirada por eventos da vida do diretor James Gray, que também assina o roteiro, a trama viaja por diversos temas, guiados pela visão de Paul e por seu relacionamento com os demais personagens. Quando acompanhado por Johnny, o garoto é apresentado aos privilégios recebidos por ser uma criança branca, o que é evidenciado em conflitos com professores, vizinhos e até a polícia. Já em seus momentos com o avô, Paul se sente motivado a aproveitar a juventude e o presente, mas sem nunca deixar de lado a história da família, entendendo que deve manter viva na memória a dificuldade e perseguição que os judeus passaram. Os dois personagens trazem a Paul o desenvolvimento mais relevante da trama, por alguns momentos fazendo o menino agir, por outros o fazendo refletir e parar para contemplar os acontecimentos ao seu redor.

Um outro grande personagem que surge no longa é a própria cidade representada. A ambientação da Nova York dos anos 80 em Armageddon Time é afinadíssima, retratando com muita veracidade os cenários antigos, transportando o público para um ambiente totalmente crível e real. Muito disso vem graças a fotografia de Darius Khondji, que já havia trabalhado com James Gray em The Immigrant e The Lost City of Z, e casa perfeitamente com mais uma excelente direção e uso de câmeras. A produção do longa passou por um adiamento por conta da pandemia de covid-19, o que gerou significativas mudanças no elenco. Inicialmente, teríamos a presença de Cate Blanchett, Oscar Isaac, Donald Sutherland e Robert De Niro, com o último tendo sido escalado como Aaron, o avô de Paul. Porém, com o atraso no início das gravações e conflitos de agenda, o elenco foi reformulado, e apesar de o longa não contar mais com esses nomes de peso, outros nomes igualmente relevantes foram escalados, resultando em atuações afiadíssimas e algumas surpresas muito positivas, como é o caso dos dois jovens protagonistas.

As relações que o longa apresenta são um primor e levam a trama a excelentes discussões. Porém, quando evidencia os privilégios do protagonista, a produção acaba deixando os holofotes da história exclusivamente em Paul, o que deixa Johnny sem muito destaque. Isso não seria um problema, até porque estamos acompanhando as memórias do personagem de Banks Repeta. Entretanto, uma cena colocada em um momento delicado de Johnny faz com que o filme pareça caminhar em direção ao aprofundamento do personagem, mas acaba não seguindo esse rumo, o que cria uma “barriga” desnecessária ao filme. É como se ele demonstrasse a intenção de dar um peso maior e devido a Johnny, mas decidisse voltar atrás, o que mais atrapalha do que ajuda a narrativa, deixando o espectador apenas com a ideia de entender melhor o personagem de Jaylin Webb. Mas mesmo com esse deslize, o filme acaba não caindo em um perigoso caminho que Hollywood costuma ditar.

No final, Armageddon Time evidencia que a narrativa do “salvador branco”, artifício usado e abusado em tantas produções, não passa de uma falácia. Mesmo não se aprofundando e enriquecendo a discussão contra o racismo, o longa de James Gray apresenta, de maneira muito competente, diversas questões sobre o tema. O filme segue o olhar desse garoto privilegiado, que mesmo frustrado com as injustiças ao seu redor, acaba focando em seus próprios problemas, mudando e evoluindo a cada cena através de relações, que com excelentes interpretações, se mostram o principal trunfo da produção. Com Armageddon Time, James Gray nos apresenta uma jornada de amadurecimento através das experiências, que moldam Paul em uma trama contemplativa e muito cativante.

Por: Pedro Dourado

Leia mais notícias:

https://marcaspelomundo.com.br/destaques/esse-artigo-e-para-voce-com-mais-de-40-mas-tambem-pode-ser-lido-por-voce-com-menos-de-40/

https://marcaspelomundo.com.br/