Dizem por aí, nos cafezinhos e corredores, que a IA chegou para rebaixar todo mundo a júnior. A piada é boa, mas acredito que errou o alvo: desta vez, a revolução tecnológica precisa de quem tem mais quilometragem. E não é saudosismo, é estratégia.
A inteligência artificial é um paradoxo entre o gênio mais poderoso e o estagiário mais literal que já tivemos. Ela faz rigorosamente tudo o que você manda, inclusive aquela bobagem que pediu sem querer. Por isso mesmo, a vantagem não é de quem digita mais rápido, mas de quem sabe o que dizer.
É a diferença entre pedir “um bolo” e pedir “um bolo de chocolate meio amargo, quentinho, molhado, que lembre casa de vó”. A máquina não tem repertório afetivo. Ela entrega o que você pede. E saber pedir bem vem com tempo de estrada.
O clichê “mais importante que a velocidade é a direção” se faz cada vez mais relevante. Não basta a ferramenta, é preciso ter propósito, discernimento e aquilo que máquina nenhuma simula: bom gosto. A capacidade de olhar para um resultado tecnicamente perfeito e dizer: “está ótimo, mas falta um ziriguidum”.
O perigo? A grande pasteurização. Se todos usam as mesmas ferramentas e sussurram os mesmos “100 prompts incríveis para tirar o melhor do ChatGPT”, o resultado é um mundo de trabalhos irmãos siameses. Marcas com personalidade de parede branca.
Quem fareja essa armadilha é quem tem memória. Quem reconhece aquela “solução inovadora” como a mesma ideia de 2003 com roupa nova. A IA generativa democratizou a produção, é fato, mas o razoável virou o novo medíocre. Na era da abundância, a curadoria se torna muito mais valiosa. É o olho treinado. É a experiência que impede a máquina de inventar jurisprudência ou criar uma campanha ofensiva por falta de contexto. A máquina costura palavras, mas não entende o tecido social.
A gente adora um “ou”: homem ou máquina, dados ou criatividade. E se a resposta for uma soma? O papel do líder é manter esse equilíbrio. Entender que dados “e” criatividade andam juntos, que agilidade “e” consistência não são inimigas.
A liderança na era da IA não é sobre dominar a tecnologia, mas sobre orquestrar o todo. É ter visão para enxergar o que a máquina pode fazer e ter coragem para guiá-la e desafiá-la. O futuro não é para quem sabe apertar botões. O resultado da IA vem da qualidade do comando. E isso é especialidade de quem acumulou repertório. A ameaça não é a máquina. É o profissional experiente que decide que já sabe de tudo e se recusa a aprender.
No fim, a inteligência artificial funciona como um megafone. Nas mãos de quem não tem o que dizer, amplifica o vazio. Mas para quem tem bagagem, visão e coragem de não se contentar com o óbvio, ela é a melhor parceira. Não se trata de ter medo da máquina, mas de extrair o melhor dela. É sobre quem transforma o que a tecnologia oferece em algo com alma. E isso é trabalho para gente grande.
Por David Levy, Head de Criatividade na Heads Propaganda do Brivia_Group (https://www.linkedin.com/in/davidmlb/?originalSubdomain=br)
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